Vestígios da cidade


"Então toda vez que eu vejo as ruínas reaparecendo é como se esse grito das pessoas que viveram na primeira e tiveram seus ossos cobertos pela água também, é como se tivessem gritando ainda, dizendo que Belo Monte não morreu, que a história continua viva e que a memória deles precisa ser lembrada. Então é como se a resistência, a fé, a luta continuassem ali ainda, sempre ecoando."

João Batista, em entrevista concedida a Dila Reis no dia 12 de novembro de 2019 em Canudos (BA).

Vestígios da cidade, 2019
Canudos-BA
Foto: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis


"Eu não fui criada lá, mas eu participava das festas, de Santo Antônio, de tudo lá, das rezas, das feiras, de tudo lá, nera? Dos movimentos que eu via em Canudos. Era... Minha avó, minha mãe, minhas avó eram muito religiosas, nera, elas gostavam, participavam das rezas, das missas, das festas de Santo Antônio... Aí eu acompanhava, né? [...] A gente que morava lá, quase que a gente não tinha nem... A gente ficou assim muito triste porque iam tirar... iam acabar lá com a vila, com o lugarzinho que a gente frequentava, que ia pra feira, a gente se encontrava com o pessoal, a gente foi criado ali vendo aquele movimento ali, e ia se acabar, é uma situação assim muito triste né. De se acabar aquele lugar aonde a gente viu, aonde a gente nasceu e se criou vendo aquele movimento ali de nossos avós, nossos filhos..."

Dona Duru, em entrevista concedida a Dila Reis no dia 19 de novembro de 2019 em Canudos (BA).


Cidade, águas e gente, 1994
Canudos-BA
Foto: Ir. Cirila Zambom
Da coleção de: Instituto Popular Memorial de Canudos


"Aí na seca de 99, aí foi uma seca que nós todos da região fiquemos apavorados, nunca vi. Lugares que eu nunca vi no seco, durante o período que ele encheu, e eu vi, passava assim. [...] Aí a gente foi, lá a gente fez a Romaria, lá a gente foi uma multidão de gente pra Romaria, que era aquelas romaria, a gente foi lá, tiremos bastante foto, aquela coisa impressionante aquilo ali, tudo no sequinho, tudo, tudo... As irmã, aí falou assim, muita gente chorou quando viu aquilo ali, meu vô enterrado lá, minha avó enterrada lá no Canudos Velho, eu tenho uma irmã que é enterrada em Canudos Velho, quando era criança, já no outro lá de cima... Agora debaixo d'água, meu vô ta ali, minha vó... A família de meu pai tá quase toda ali, enterrada naquele cemitério."

Dona L., em entrevista concedida a Dila Reis no dia 18 de novembro de 2019 em Canudos (BA).


Cidade no chão, 2018
Canudos-BA
Foto: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis


"Bom, quando eu fui lá eu era bem menor e achei uma coisa comum. Mas hoje, conhecendo a história, acho que tanto as ruínas (como quase tudo aqui em Canudos) quanto as memórias representam uma resistência: elas tão ali. A água cobre, mas elas tão ali, e elas aparecem pra mostrar que ainda não caíram, que aquele povo estava ali, que toda a história está ali, representada por aqueles tijolos, e não morreu...  fico muito triste quando vejo aquilo sendo degradado pelas pessoas, alguém pichando ou destruindo."

Kaila Marcelle da Silva, em entrevista concedida a Dila Reis no dia 19 de novembro de 2019 em Canudos (BA).

Marcas, 2018
Canudos-BA
Foto: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis


"Exatamente. Assim, às vezes eu até comento pra meus filhos, eu falo assim: ‘meus filho, quando eu vejo falar de Canudos Velho que eu lembro assim que eu andei aquilo ali em terra seca e eu vejo hoje assim coberto, dá uma emoção.’ A minha irmã mais velha Aline entrou prontinha, 4 horas da tarde pra se casar ali. Era muita gente acompanhando o casamento, eu criança assim, com uns 7 a... de 6 a 7 anos de idade, eu ia pegada no véu dela. Eu falei assim, isso, meu fio, é muito triste, aquelas parede muito bem feita, porque ela tá o formato dela todinho, e não caiu ainda."

Dona L., em entrevista concedida a Dila Reis no dia 18 de novembro de 2019 em Canudos (BA).

Moldura, 2018
Canudos-BA
Foto: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis


"Quando o dia amanheceu...tava lá a água. Aí minha mãe falou: ‘João, vamo andar depressa, cada dia mais a água tá aumentando.’ Era aquela água viajando, viajando... Aí quando foi uns 3 dias a água já tava bem pertinho de casa. Aí o doutor veio e falou: ‘João, eu lhe peço até pelo amor de Deus, vá embora e hoje pra amanhã, senão sua casa cobre com tudo. Com sua família. Ói, a chuva tá direto, chovendo direto nas cabeceiras. Pode sair daqui!’ Aí ele disse: ‘meu deus do céu, ainda tenho umas coisas pra pegar no meu trabalho’, e ele disse: ‘eu vou te dar umas barca com uns tambor’. Aí assim ele fez."

Dona L., em entrevista concedida a Dila Reis no dia 18 de novembro de 2019 em Canudos (BA).


Depois da chuva, 2018
Canudos-BA
Foto: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis

"Então as ruínas, eu vejo as ruínas, assim, como um... um... Tem um simbolismo tão grande aquele ressurgimento, né, que nos causa, assim, uma emoção muito grande, e é como se dissesse assim: a memória, a memória ela continua sempre viva no meio das pessoas. Parece que ela vem ressurgir, e a gente percebe isso, que passa o ano inteiro e ninguém vê as ruínas, não, não foi, João? Quando teve aquelas grandes secas, que começou a surgir, as pessoas começaram... Tinha gente que parece que até se emocionava! A dizer assim, olhe, olha, os nossos antepassados estão ali. Parece que ela veio, metaforicamente falando, pra dizer assim: eu vou acordar aquele povo! Eu vou acordar aquele povo!"

João Ferreira, em entrevista concedida a Dila Reis no dia 26 de novembro de 2019 em Canudos (BA).


A cidade e sua gente, 1996
Canudos-BA
Foto: Ir. Cirila Zambom
Da coleção de: Instituto Popular Memorial de Canudos


"Mais forte de que as ruínas que se revelam com as secas, é a nossa resistência dia a dia. Porque você pode apagar, você pode destruir, a madeira você pode queimar, você pode espatifar aí as paredes de concreto, despedaçar, jogar tudo no lixo, deixar um limbo. Mas a memória ninguém tira. A memória, ela continua viva! É tanto que eu e Batista estamos ali. Recebendo pessoas de tantos lugares do mundo. Ói, ói a magia onde tá! Pisando no solo, se emocionando. Fazendo as pessoas se emocionarem. Fazer as pessoas entrar na realidade. Ainda hoje Canudos ainda mostra o Brasil real. Ainda hoje! Porque nos sertões ainda há fogo. Porque nos sertões há escuridão. Porque nos sertões ainda há o analfabetismo. E essa memória do nosso povo é que ninguém consegue apagar. É a maior resistência que tem. Tudo bem, as ruínas é como uma coisa que... um assombro. Um assombro pra eles. É uma pequena coisa, né. Mas a coisa mais forte mesmo é a memória, que continua viva."

José Américo Amorim, em entrevista concedida a Dila Reis no dia 29 de novembro de 2019 em Canudos (BA).


A cidade e sua gente 2, 1996
Canudos-BA
Foto: Ir. Cirila Zambom
Da coleção de: Instituto Popular Memorial de Canudos


Missa nas ruínas, 1996
Canudos-BA
Foto: Ir. Cirila Zambom
Da coleção de: Instituto Popular Memorial de Canudos


"[...] o interessante é que depois que as ruínas apareceram pela primeira vez no período de 1996 a 1999, que é quando elas começam a aparecer, quase vinte anos depois da inundação em 1969, quase 30 anos depois, na verdade, ela reaparece como se estivesse realmente gritando, ou seja, aqui aconteceu algo. E aí foi quando aconteceu o boom em 97, em que filmes são lançados, livros, o centenário de 97 foi algo assim, extraordinário."

João Batista, em entrevista concedida a Dila Reis no dia 12 de novembro de 2019 em Canudos (BA).

Camuflagem, 2018
Canudos-BA
Foto: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis

____________________________________________________________

Memória viva, 2019
Falas de Dona L., João Ferreira e José Américo Amorim em Canudos-BA
Montagem e imagens: Dila Reis
Da coleção de: Dila Reis





Comentários